Para Maria da Penha, combate violncia contra a mulher comea na infncia

Ela tinha 30 anos quando foi agredida pelo ento marido pela primeira vez. Permaneceu calada, por vergonha e por no saber para onde ir, at descobrir, oito anos depois, que o prprio cnjuge havia sido o autor do tiro que recebeu na cabea enquanto dormia e que a deixou paraplgica. Desde ento, a farmacutica cearense Maria da Penha se engajou em uma luta que resultou na lei que leva seu nome e que protege mulheres da violncia domstica.

Maria da Penha no chegou a sofrer abusos sexuais por parte do marido, mas, assim como muitas mulheres pelo pas, se sentiu impotente ao ler sobre o estupro coletivo sofrido por uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro, cujo vdeo foi divulgado em redes sociais na ltima semana. Em entrevista ao UOL, ela lembra a vergonha de dizer que foi agredida, a falta de informao e apoio do Estado e diz que o combate violncia contra a mulher comea na infncia: Educar para respeitar a mulher.

Leia abaixo alguns trechos da entrevista:
UOL " Qual foi seu primeiro sentimento ao tomar conhecimento do estupro coletivo que aconteceu no Rio?
Maria da Penha " A gente se sente impotente, porque sabe que, atrs de um caso desses que ganha muita visibilidade, existem muitos outros, de que no se tem conhecimento por uma srie de questes. Porque aqui [na regio Nordeste] a vtima no sabe como denunciar, no tem acesso a informao…

Voc acredita que fato de muitas vezes a vtima acabar sendo responsabilizada pelas agresses sofridas, o que faz parte da chamada cultura do estupro, influencia na ausncia de denncias?
Eu acredito que nos municpios onde as coisas no so to claras no h polticas pblicas, no h nem uma conversa com a populao sobre isso, tudo escondido… Algumas [vtimas] acham que normal [ser estuprada], outras tm vergonha de denunciar, no sabem como fazer.

Tm vergonha de qu?
Pelo que eu sei, at hoje, como um dia foi comigo, muitas mulheres que no so esclarecidas tm vergonha de dizer que foram agredidas, porque entendem que a sociedade as culpa por serem vtimas. [A sociedade] Coloca como ela sendo a responsvel por aquela agresso. Eu no era responsvel. Mesmo que eu tivesse feito alguma coisa que a sociedade condena, ainda assim ele no era um juiz, nem tinha o direito de me matar.

Voc foi vtima de agresses pelo seu ex-marido por muitos anos. Quando voc decidiu procurar ajuda pela primeira vez, foi procurar onde?
Eu no fui em canto nenhum, porque no existia nada. Eu no consegui me livrar. Desde o momento em que foi descoberto que meu agressor tinha simulado um assalto e que ele era o autor do tiro, eu fiquei trabalhando por 19 anos e seis meses para que fosse feita justia. Durante esse perodo, ele foi julgado por duas vezes e continuou solto. Minha sorte foi que escrevi um livro sobre o que eu tinha passado [Sobrevivi… posso contar], e esse livro chegou na OEA (Organizao dos Estados Americanos). E o Brasil foi ento condenado internacionalmente pela negligncia com que estava tratando o assunto.

Voc chegou a sofrer algum tipo de abuso sexual nesses anos?
No, abuso nunca. Ele simplesmente decidiu que queria me matar.

Mesmo com todo o movimento feminista hoje no pas, ainda vemos muitos casos de violncia contra a mulher. Voc consegue ver avanos no Brasil desde quando comeou sua luta, passando pela aprovao da Lei Maria da Penha, at os dias de hoje?
Nas viagens que eu fao, a gente tem conhecimento de que so muitas as mulheres que se dizem salvas pela lei. Mas eu ainda me preocupo muito, porque a lei s existe de verdade, s pode sair do papel se forem criadas polticas pblicas. A gente tem encontrado polticas pblicas nas grandes cidades, que geralmente so as capitais.

So poucos municpios mdios e pequenos que tm investido nisso, que tm investido na educao. Porque ns nascemos com uma mente livre. E a educao que ns temos em casa que nos faz sermos agressivos ou sermos pessoas equilibradas "tirando, claro, as patologias. Mas, de uma maneira geral, quando a gente criado num ambiente agressivo, a gente leva essa agressividade pra vida.

Quando a criana do sexo masculino observa seu pai batendo na sua me, ela pode se comportar de duas maneiras. Ele pode ter o entendimento de se levantar contra aquilo e pode dizer que nunca vai fazer aquilo quando ele crescer. Mas existem aqueles que so exatamente educados para ser violentos. Que tm observado essa conduta dentro de casa e muitas vezes a me, pela condio de no ter como sair daquela situao, minimiza essa agresso.

O governo ainda precisa investir na educao, para tirar a educao natural que essas crianas ainda tm e educar para respeitar a mulher.

Fonte: UOL

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